"Saia é bom" e outras histórias

Filipe Nunes


Por algum tipo de milagre extra-terreno, não recebi nenhuma injúria ou xingamento no dia em que participei do USP de Saia. Não fui nos eventos na USP como o Quinta i Breja, mas passei o dia todo de saia, andando pra cá e pra lá pelas ruas, resolvendo o que tinha que resolver. O máximo que recebi foram olhares que diziam “muleque estranho” ou “bixinha” ou talvez “que otário, ou acha que é mulher ou acha que está na  Escócia”, em contraste houve até alguns olhaves do tipo “hmmm, nada mal” e “ué? porque não né”. Outros alunos, porém, passaram um dia inteiro escutando vituperações no campus.

No mesmo dia, porém a 1000 Km de distância, a situação foi menos tranquila. Um protesto organizado por estudantes contra o aumento da passagem de ônibus em Goiânia foi cruelmente combatido pela PM. Gás lacrimogênio foi jogado contra protestantes, trabalhadores e idosos que esperavam ônibus no terminal; policiais bateram na multidão com pedaços de pau encontrados no chão; um garoto teve queimaduras no joelho por ter sido arrastado no asfalto; uma criança de dois anos levou um tiro de 9mm (caso queira mais informações sobre os acontecimentos, sugiro que você entre aqui, aqui e aqui).

Independente da gravidade dos assuntos e das repercussões, ambas foram ações diretas, que atraíram olhares de vários desavisados e pretendiam mudanças de alguma forma. A chamada manifestação, presente desde os primórdios da vida política das sociedades. Quem esteve presente e participou acabou aprendendo uma série de conceitos e atitudes que passam batido para os que ficam em casa.

No meio da tarde de meu dia de saia, uma mulher veio em minha direção com intuito de perguntar alguma coisa; era uma idosa, com rosto bem redondo e algumas verrugas, manchas de sol e marcas de expressão, estava ofegante.

- Meu filho, acabei de voltar do Hospital Universitário. Me recomendaram um exame do coração e fui fazer, agora estou muito cansada, você não teria um dinheirinho para um lanche ou pro transporte?

Infelizmente, estava tão duro quando a senhora.

- Não tem problema meu filho. Te perguntei mesmo foi por causa da saia. Meu filho quando tinha 16 17 anos usava muito, lembrei dele. Usa mesmo. Saia é bom.

A senhora provavelmente não sabia das manifestações do USP de Saia, não estava preocupada com isso, faltava-lhe o dinheiro da mesma forma que faltava-lhe preconceitos. Um pensamento simples como “Saia é bom” é apenas o que eu queria ouvir para usar a peça como parte de meu guarda-roupa pelo resto da vida.

A idosa também me fez refletir sobre a atitude de certos jovens sobre as constantes mudanças de pensamento da época que vivemos. Me parece que a adolescência não têm mais o papel de fomentar e apresentar novidades e sim se distânciar delas como quem foge de problemas da vida adulta. Juventude não é mais uma procura por aventura, diferenciação, mas sim de estabilidade. E uma pessoa de idade, interessantemente, teve que se arriscar para fazer um exame do coração; mas ela não se importa, pois pode pedir dinheiro para um garoto que a lembra de seu filho. Para mim, uma atitude quase beatnik, viver montando histórias.

Aposto que os que participaram dos protestos contra aumento das passagens conversaram de forma parecida com as pessoas que estavam esperando o ônibus para finalmente voltar para suas casas e almoçar (ou o contrário, começar o dia de trabalho). Pessoas que foram violentadas, pelas autoridades políticas, pelas tropas de choque e por jovens delirantes no Facebook. Pessoas com pensamento tão variado que estariam junto com os protestantes espalhando o caos e expurgando ideologias revolucionárias pelos ares se não precisassem chegar cedo no trabalho ou esperar longamente por um 020 lotado.

Me sinto um pouco chateado por não ter ido nem ao protesto em Goiânia nem ter interagido com os meninos de saia na USP. É quase contradizer todo o resto de meu texto, mas foi o que aconteceu. Mas, bom, reajuste aqui em São Paulo se aproxima e minha saia está aqui. Além disso, tenho em mente as pessoas deste mundo e as reflexões de outro.


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