Breve ficção política ou matando o mato

Viajando pelo interior de Goiás, meu estado nativo, observei a tristeza do nosso Cerrado destruído por extensas plantações, seringais e pastos cheios de gado. O medo de perder essa vegetação fez minha mente delirar em uma ficção política

Isadora Otoni


Viajando pelo interior de Goiás, meu estado nativo, observei a tristeza do nosso Cerrado destruído por extensas plantações, seringais e pastos cheios de gado. Também tive a oportunidade de ver algumas fazendas com grandes gramados onde outrora se observava nossas típicas árvores baixinhas e com troncos engraçados. Fiquei envergonhada, como goiana, de abrir mão da nossa natureza, que é sustentável por si só, para que grandes latifundiários façam suas plantações e exportem seus produtos para outros estados e outros países, como a soja e os derivados da cana. Em troca de tudo isso, só ganhamos uma terra infértil.

Para quem não conhece, o Cerrado funciona de uma forma incrível. Durante a seca, as árvores parecem semimortas, o solo se transforma em pó vermelho, o clima fica árido, e tem tanta folha seca no chão que um raio já provoca uma grande queimada na mata. Por isso, gosto de dizer que nosso Cerrado é como uma fênix. É com as cinzas dessas queimadas naturais que o solo se fertiliza e fica propício para o surgimento de frutos exóticos, como o pequi e o cajuzinho-do-cerrado. É nesse lugar aparentemente inóspito que vivem belas aves, micos e peixes da savana mais rica do mundo. É nessa região árida que se encontra as nascentes de três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata.

Fiquei tão envergonhada pela devastação desse bioma que meu medo se tornou uma paranoia. Sério, nessa viagem a angústia fez até minha mente bolar uma ficção política.

Vivemos em um Brasil com uma cultura totalmente colonizada por países ricos, como Estados Unidos, Alemanha e Austrália. Consumimos tudo o que a globalização permite que eles nos exportem. Seriados do Netflix, cantores de hip hop, viagem para Disney, Colgate Luminous White e pasta de amendoim. Não existe nenhum brasileiro que não compartilha o sonho americano. Afinal, o importante é ter conforto, mas luxo é sempre bom. Com desejos materiais tão caros, tanto apreço por um design moderno e necessidade constante de ter mais, uma crise econômica enlouqueceria o país.

Mas a crise chega. Nos deparamos com uma grande dívida externa e dificuldades de produção.
As ruas pedem: Impeachment da presidenta! E nada melhora. Impeachment duplo, tira o vice! Não muda quase nada. Traz aquele famoso combo de impeachment triplo e batata frita grande, por favor! Mas a crise é brava. Os brasileiros começam a ter muito medo. Medo de perder a SUV conquistada, o xampu L’Oreal que deixa o cabelo brilhoso, o iPhone 6 de 32 GB, o último PlayStation lançado, o apartamento com ar-condicionado em todos os quartos e o uísque Old Parr das visitas. O medo de perder o título exemplar de país em ascensão, como apontou grandes líderes e até mesmo o-pre-si-den-te-dos-Es-ta-dos-U-ni-dos!, leva a população a apoiar medidas drásticas.

“Vamos sanar nossas dívidas! Vamos ser ricos de novo! Vamos voltar a colocar o Real como uma das moedas mais bem cotadas pelo Banco Central! Eu tenho uma ideia, vamos vender a Amazônia!”
“Excelente ideia! Eu sou pós-graduado em Biologia pela melhor universidade alemã e sei que outros países poderão fazer um excelente uso desse bioma.”
“Sim, concordo. Eu faço Economia na Faculdade Getúlio Vargas e acho que podemos arrendar essa nossa mata inutilizada. É só uma medida provisória para restabelecer nossa economia.”
“Claro, o desejo do povo é meu desejo! Eu sou Ministro da Fazenda e posso dizer que temos uma proposta dos Estados Unidos que vai nos salvar. Vamos recuperar empregos, sanar nossas dívidas, voltar a investir em infra-estrutura, poderemos produzir novamente! Precisamos dar algo em troca, claro. Mas eles são ótimos, têm tecnologia suficiente para praticar seu capitalismo sustentável, completamente verde, vão saber usar o solo fértil da Amazônia. A gente nunca conseguira fazer o que eles vão fazer.”

Enfim começamos a ter de volta nossos carros luxuosos, nossos cosméticos importados, nossos eletrônicos modernos, mas não por muito tempo. Nossa natureza era sustentável por si só, mas o “capitalismo sustentável” exigiu tanto dela que deu tilt, deu ruim, pane, não tem volta, ela não vai mais funcionar. Quem já acompanhou o arrendamento de alguma terra sabe que essa medida não tem volta. Não tem solo que aguente agricultura intensiva, gananciosa, ostensiva. E então fica impossível gerar frutos e riqueza nessa mata morta.  A partir desse dia, os brasileiros se encaram com remorso, porque sabem que têm a culpa entalada na garganta. Nos sentimos burros e impotentes. Não tem um cidadão que não tenha se sentido explorado. Não tem um cidadão que não deseja voltar atrás.

Ok, voltemos à realidade, leitor. Nós não somos assim e não é assim que a nossa política funciona, amém. Qualquer semelhança com o discurso do seu tio consumista ou da sua vizinha reacionária é só coincidência. Essa viagem toda serviu para me lembrar que o sonho brasileiro é diferente. Pelo que eu conheço do nosso povo, nossa felicidade é abraçar todo mundo, levar a família para passar a emenda do feriado na beira do rio, aplaudir o pôr-do-sol na Pedra do Arpoador e colher umas jabuticabas no quintal. Isso não tem nada de ingênuo como parece. Os brasileiros podem ser caipiras para o resto do mundo, mas são esses hábitos que mostra o quanto valorizamos nossas raízes, nossos irmãos e nossa natureza. Que continuemos assim, provando que o nosso sonho é outro, e ele não tem nada a ver com o “sonho americano”.

Legenda foto 1: Seringal próximo a Petrolina de Goiás. Créditos: Isadora Otoni.
Legenda foto 2: Vegetação nativa do Cerrado, com árvores baixinhas e engraçadas. Créditos: Wikimedia Commons.

This entry was posted on terça-feira, 22 de setembro de 2015. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

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