Bom Retiro 958

Nathália Giordano


Mais de 20 anos de trajetória, O Teatro da Vertigem está em cartaz com a peça Bom Retiro 985. Definitivamente ocupar espaços, descobrir novos lugares e experiências é especialidade desse grupo incrível. Depois de espetáculos em maternidade, igreja, rio Tietê e até num presídio, esse novo espetáculo explora as ruas do bairro Bom Retiro.

Teatro abandonado, shopping e ruas se tornaram palco. O público segue os atores por quase um quilômetro. Vagando pelo Bom Retiro encontramos o falso silêncio da noite que nos apresenta o que existe por trás de todo o consumismo da rua José Paulino. Durante a madrugada a costureira boliviana trabalha sem parar em sua máquina, os moradores de rua recolhem papelão e o mendigo segue em busca de sua pedra.


Entre os personagens está a minha preferida, uma manequim quebrada. O trabalho de corpo da atriz está impressionante e junto com o figurino maluco te convencem de que ela realmente está a procura de um trabalho, mas não encontra devido aos seus problemas físicos por não ser importada da Coreia. Outra personagem que chamou demais a minha atenção foi uma mulher que aparecia no meio das cenas sem nunca mover a expressão facial. Num momento ela surgiu mexendo no celular e nada abalava sua concentração. Essa cena foi chocante para mim, consegui me ver fazendo exatamente isso, por isso a personagem veio como crítica aos smartfones da vida, a atriz despareceu das cenas e se transformou em pessoa quando estava sentada na calçada e nem tirou os olhos da tela para ver o que se passava em sua frente, comportamento mais do que frequente em São Paulo.

Ao longo da peça sensações extremas nos consomem, desde o riso até o medo. A personagem da empregada que limpa o shopping durante a noite é um bom exemplo do cômico quando arranca risadas do público numa imitação dos musicais americanos. A aflição, a meu ver, foi dominante. Deparei-me com manequins estupradas sofrendo, um teatro completamente abandonado que de repente me deu a sensação de estar num manicômio, um mendigo que eu já não sei dizer se era ficção ou realidade, uma noiva macabra que apareceu no alto de um muro e infinitas experiências que eu diria pessoais.

O espetáculo serviu, na minha vida, como uma critica a todo o consumismo exorbitante mostrando o que é preciso para mantê-lo vivo. Uma atriz interpreta a famosa consumista enlouquecida, a mulher fica vidrada por um vestido vermelho e não consegue deixá-lo para trás, mesmo quando o shopping já fechou. Parece que aquela mulher realmente existe e você está observando-a na realidade dos fatos, assim como a maioria das cenas dessa peça. Sendo assim, depois de dias eu continuei me perdendo entre o que realmente existe e o que estava sendo encenado, durante um passeio no shopping me deparei analisando a manequim e um vestido vermelho que a cobria, o mesmo aconteceu quando caminhava pela paulista e encontrei um mendigo dormindo enrolado num cobertor.

Eu mais do que recomendo essa peça, está imperdível e custa somente 30 reais a inteira, além de poder comprar e imprimir pela internet. 


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