Nathália Giordano
Mais de 20 anos de trajetória, O
Teatro da Vertigem está em cartaz com a peça Bom Retiro 985. Definitivamente
ocupar espaços, descobrir novos lugares e experiências é especialidade desse
grupo incrível. Depois de espetáculos em maternidade, igreja, rio Tietê e até
num presídio, esse novo espetáculo explora as ruas do bairro Bom Retiro.
Teatro abandonado, shopping e
ruas se tornaram palco. O público segue os atores por quase um quilômetro.
Vagando pelo Bom Retiro encontramos o falso silêncio da noite que nos apresenta
o que existe por trás de todo o consumismo da rua José Paulino. Durante a
madrugada a costureira boliviana trabalha sem parar em sua máquina, os
moradores de rua recolhem papelão e o mendigo segue em busca de sua pedra.
Entre os personagens está a
minha preferida, uma manequim quebrada. O trabalho de corpo da atriz está
impressionante e junto com o figurino maluco te convencem de que ela realmente
está a procura de um trabalho, mas não encontra devido aos seus problemas físicos
por não ser importada da Coreia. Outra personagem que chamou demais a minha atenção foi uma mulher que aparecia no meio das cenas sem nunca mover a expressão facial. Num momento ela surgiu mexendo no celular e nada abalava sua concentração. Essa cena foi chocante para mim, consegui me ver fazendo exatamente isso, por isso a personagem veio como crítica aos smartfones da vida, a atriz despareceu das cenas e se transformou em pessoa quando estava sentada na calçada e nem tirou os olhos da tela para ver o que se passava em sua frente, comportamento mais do que frequente em São Paulo.
Ao longo da peça sensações
extremas nos consomem, desde o riso até o medo. A personagem da empregada que
limpa o shopping durante a noite é um bom exemplo do cômico quando arranca
risadas do público numa imitação dos musicais americanos. A aflição, a meu ver,
foi dominante. Deparei-me com manequins estupradas sofrendo, um teatro
completamente abandonado que de repente me deu a sensação de estar num manicômio,
um mendigo que eu já não sei dizer se era ficção ou realidade, uma noiva
macabra que apareceu no alto de um muro e infinitas experiências que eu diria
pessoais.
O espetáculo serviu, na minha
vida, como uma critica a todo o consumismo exorbitante mostrando o que é
preciso para mantê-lo vivo. Uma atriz interpreta a famosa consumista
enlouquecida, a mulher fica vidrada por um vestido vermelho e não consegue deixá-lo
para trás, mesmo quando o shopping já fechou. Parece que aquela mulher
realmente existe e você está observando-a na realidade dos fatos, assim como a
maioria das cenas dessa peça. Sendo assim, depois de dias eu continuei me
perdendo entre o que realmente existe e o que estava sendo encenado, durante um
passeio no shopping me deparei analisando a manequim e um vestido vermelho que
a cobria, o mesmo aconteceu quando caminhava pela paulista e encontrei um
mendigo dormindo enrolado num cobertor.
Eu mais do que recomendo essa
peça, está imperdível e custa somente 30 reais a inteira, além de poder comprar
e imprimir pela internet.