Carta de suicídio

Isadora Otoni


Esse texto é super fictício a não ser que sirva a carapuça.

Que me desculpem os intolerantes e religiosos, mas tive que ir. Não acredito em vida insignificante na Terra, e é isso que eu tenho sido. Se eu partir hoje ou daqui 60 anos, não fará diferença. Eu vou sumir de qualquer forma porque não tenho o poder para fazer história.

Eu nunca vou ser o que a sociedade espera de mim. Eu não consigo saber de tudo um pouco. Eu não consigo saber tudo de alguma coisa só. Eu não consigo estudar, trabalhar, cuidar de mim e das minhas relações ao mesmo tempo, alguma coisa sempre fica de lado. Eu não sou um exemplo de pessoa nem para os meus pais, quanto mais para a sociedade.

Eu nunca vou ser o que eu espero de mim. Eu não vou escrever um livro que revolucionará a Língua Portuguesa. Eu não vou criar uma peça de roupa que vai estar em todos os guarda-roupas. Eu não vou inventar. Eu não vou mudar o mundo, porque não sou político e nem revolucionário. Sou um baita de um meio-termo, um zé ninguém, um zero à esquerda, eu sou um.

Eu sou só um consumidor. Consumidor até de sentimentos. Não é a vida que não faz sentido, sou eu. Não sou criador, e nem criativo. Eu espero muito da humanidade, das artes e da ciência. Elas que não esperam nada de mim. E eu ainda nem sou considerado um adulto! Acho até que serei esquecido antes de morrer, com uns 60 anos, em algum lar de idosos jogando Damas (porque eu não vou aprender Xadrez).

A inércia acaba comigo. Em meio a tantas coisas para ler, ver e ouvir, a tantas coisas que foram produzidas desde Camões, eu não tenho forças para fazer nada. Não existem mais tardes livres para mim, existem tardes em que eu poderia estar fazendo alguma coisa mas estou perdendo tempo. E o tempo, coisa que nem posso sentir, acaba comigo.

Sabe aquela pessoa que vocês tanto julgam por ser pedante, pseudo intelectual e medíocre? Essa pessoa sou eu. Sou eu porque tudo que eu quero ser, não consigo. Preciso pelo menos passar a minha imagem, para que no meu velório as pessoas digam "que pena, parecia tão inteligente". E sim, eu fantasio o momento da minha morte. Meu corpo vai ser a obra de arte, o objeto de estudo, um protagonista, finalmente. E tudo que eu quis, que as pessoas me tivessem em consideração, vai acontecer. E quero que essas pessoas chorem e se lamentem de que poderiam ter dado mais ouvidos à mim, mesmo que eu não tivesse nada a dizer.

Eu tenho minha impressão do mundo, mas tenho certeza que a compartilho com milhares de pessoas. Somos sete bilhões, eu não posso ser única em meio a tanta gente. A minha expressão não é singular. Então eu reprimo, para não parecer óbvia e cansativa demais. E isso me mata. A sociedade, meu ser social, meu ser particular: é tudo isso que me faz pegar a chave da cobertura e pular da área de lazer no 16º andar.

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4 Responses to “Carta de suicídio”

  1. triste, mas real. Muito bom!

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  2. Obrigada! Continue dando sua opinião :)

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  3. Bah, texto incrível! Tu escreves bem, guria. Identifiquei-me contigo em cada linha e senti como se eu tivesse escrito (mas é óbvio que não ficaria tão claro e objetivo). Adoro o teu blog.

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    1. Eu sempre falo isso: esses elogios é que me motivam. Eu não ganho nada com o blog, faço só pelo prazer de escrever, então quando alguém fala coisas tão legais quanto você eu fico muito muito feliz! Obrigada pelas palavras! Beijos

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