Chá de hibisco com PCP

Tecnoxamanismo: o irônico é que são os índios que nos inspiram a usar a tecnologia para refletir e desacelerar


Isadora Otoni



Você não discordaria de mim se eu dissesse que ao nosso redor, as pessoas estão cada vez mais com pressa. No feed do Facebook, os nossos contatos pedem para se desdobrarem em dois, reclamam da falta de tempo e das noites mal dormidas. É comum que alguns deles resolvam esse tempo corrido com apetrechos tecnológicos. Fazer uma entrevista por e-mail consome muito menos tempo do que pessoalmente. Usar o Google é bem mais prático do que o hábito demodê de ir à biblioteca. Pedir comida por um aplicativo é tão simples que ninguém questiona como seu pedido chega até sua mesa.

Mas essas pessoas são sempre tão aceleradas assim? A tecnologia também também pode ajudá-las a refletir pau-sa-da-men-te? O que está faltando?

Segundo um grupo de artistas e jovens intelectuais, falta primitividade. Eles superam a falta de reflexão e do “fazer com as próprias mãos” com o tecnoxamanismo: um híbrido entre tecnologia e xamanismo.

O conceito começou a ser vivenciado por esse grupo após a psicóloga Fabiane Borges propor a eles um festival de tecnoxamanismo em outras terras. Eles tentaram arrecadar dinheiro por crowdfunding, mas foi necessário organizar uma festa no Teatro Oficina, em São Paulo, para completar a grana. Mas eles conseguiram realizar o I Festival de Tecnoxamanismo.

"Foi um primeiro festival bem tímido em um sítio, ITAPECO (Instituto de Tecnologia Alternativa, Permacultura e ECOlogia), em Arraial D’Ajuda, na Bahia”, conta P I L A N T R Ö P Ó V. "A gente foi com o Ônibus Hacker. De lá praticamente consolidou o grupo que trabalhamos hoje, que são os Ney (Neyland)”.

Para aprender mais das práticas médicas, religiosas e filosóficas indígenas, o grupo teve contato com uma tribo Pataxó durante o festival. Os índios fizeram uma recepção aos jovens no primeiro dia. O segundo dia foi marcado por oficinas. No outro, um casamento foi realizado, cerimônia que não era feita há mais de dez anos pela tribo. “Por mais que seja uma integração tímida, porque nós não somos índios, foi super intenso pra gente”, conta P I L A N T R Ö P Ó V.

Diego Monte Alto, outro Ney, relata que um grande ponto positivo para o tecnoxamanismo é justamente o resgate da cultura indígena. “Eu sei de onde veio os meus parentes da Áustria e da Itália, mas não faço ideia de que tribo veio minha família, ou até de que lugar da África veio minha bisavó que foi escravizada”. Ele também lembrou que os próprios pataxós passavam por um resgate de sua cultura. Com tantas perseguições, a tribo perdeu o hábito de falar sua própria língua.

Tecnologia amiga

“Eu tinha um pouco de implicância com o termo tecné. Até foi um preconceito que foi diluído durante o percurso que a gente fez com o Keroaska e o Free Folk”, conta P I L A N T R Ö P Ó V, citando outros projetos artísticos que participa. “Antes a gente não usava energia elétrica, pensando que ela estabelece pontos de poder. Ou seja, só quem tem energia pode fazer tal coisa. Hoje em dia tocamos com instrumento acústico e eletrônico ao mesmo tempo”.

“Aí você vai entrar em contato com a tribo e ela tem seu próprio aparelho de gravação de vídeo, tem câmeras, celulares, eles fazem registros. E são xamãs”, relata Diego.

A tecnologia não vai ser descartada, então a solução apresentada é subverter o seu uso. Sendo assim, o tecnoxamanismo também pode ser apresentado em detalhes, como nas substâncias oferecidas para a realização de um ritual no festival de ITAPECO. Eles ofereceram Cactos wachuma, ayahuasca e chá de hibisco com PCP, substância sintético que causa alucinações.

Apropriação cultural

Apesar de utilizarem referências do xamanismo, o grupo não é formado por indígenas. Eles reconhecem isso. Por isso, uma crítica ao novo conceito é de apropriação cultural indevida, ao que rebatem dizendo que o tecnoxamanismo “é livre para todos”.

Entretanto, podemos afirmar veemente que mesmo passando dificuldades, um jovem paulistano tem uma vida mais fácil do que um índio Pataxó. Até porque nós não estamos resistindo há 500 anos a uma cultura hegemônica, nem somos assassinados só porque queremos um pedaço de terra para morar.

Legenda foto 1: Geodésica, espaço criado para o Festival de Tecnoxamanismo. Créditos: Nubia Abe.
Legenda foto 2: P I L A N T R Ö P Ó V e Diego Monte Alto, integrantes do Neyland. Créditos: Rafael Amambahy.

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